Bene Barbosa sobre A liberação do 9mm

Por Redação 14/09/2017 às 17:28 Bene Barbosa 

A “Folha de São Paulo” e o jornal “O Globo”, entre outros, publicaram reportagens  falando sobre a liberação do calibre 9mm para policiais civis e militares pelo Exército,  liberação digna de nota e aplausos por qualquer um que saiba o mínimo sobre balística,  armas, munições e suas aplicabilidades. Confesso que quando comecei a ler as matérias  tive a impressão de que os policiais poderiam andar com famigerados lança-chamas,  mísseis terra-ar ou armas nucleares, tamanho o sensacionalismo e o grau de profundo  desconhecimento apresentado pelas fontes dos jornais. 

Comecemos pelo título da matéria da Folha que, à guisa de caçar cliques, expressa uma  tremenda inverdade. O que foi liberado para uso dos policiais não foi uma “arma do  exército”, mas, sim, um calibre que sequer é de uso exclusivo das Forças Armadas, pois  há tempos é usado por policiais federais e, mais recentemente, até por atiradores  desportivos. Inclusive só é possível falar em “arma do Exército” ou das Forças Armadas  no sentido de propriedade, uma vez que o Exército apenas adota certos tipos de armas e  calibres, portanto um título honesto para a matéria seria: “Exército libera calibre 9mm  para policiais estaduais”. Tão simples… 

A ideia exposta em ambas reportagens de que o 9mm é um dos calibres mais letais do  mundo não passa de bobagem sensacionalista. Ora, o 9mm não é mais ou menos letal do  que os calibres .40S&W, .45ACP ou o .357 Magnum (estes dois últimos os meus  prediletos para defesa), que já estavam liberados para uso particular de policiais e outras  categorias! 

Bom, primeiramente temos que entender o motivo de existir restrições de calibres no  Brasil, fato que já abordei em incontáveis palestras, artigos, entrevistas e  no livro Mentiram Para Mim Sobre o Desarmamento, de qual retiro o seguinte trecho:

“Getúlio Vargas ainda enfrentaria mais uma situação de confronto bélico, na revolução  de 1932. Mas desta vez seria contra o estado mais rico da federação, São Paulo, que  contava com uma força policial equipada com fuzis Mauser, metralhadoras Madsen,  carros de combate, canhões e até mesmo alguns aviões de guerra. Além da Força  Pública do Estado de São Paulo, os paulistas contavam com todas as organizações  militares do exército brasileiro sediadas em seu estado, e com a ajuda de milhares de  voluntários, que levaram suas próprias armas para o campo de batalha. Depois de 87  dias de duros combates, o governo de Vargas conseguiu vencer a guerra paulista,  encerrando assim o último conflito armado ocorrido em território brasileiro. Mas a  mensagem que ficou é muito clara: os paulistas não teriam sequer ousado levantar-se  contra a ditadura de Vargas sem o armamento que tinham. Pouco tempo depois, em 6 de  julho de 1934, o governo baixou o Decreto 24.602, criando as restrições de calibres e de  armamentos, tanto para os cidadãos civis como para as polícias. É por consequência  desse decreto que as polícias estaduais necessitam hoje da permissão do exército para  comprar fuzis e armas de maior calibre, e frequentemente combatem os criminosos com  equipamento inferior em poder de fogo.” 

No caso do 9mm, especificamente, o Exército decidiu por maiores restrições e o elegeu,  na época, como calibre de uso exclusivo das Forças Armadas. E por qual motivo?  Calibre que mata mais? Que atravessa trilho de trem? Que fura blindagem? Que derruba  avião? Que pode tirar a terra de órbita tamanho seu poder? Nada disso! A lógica era que  em casos de revoluções ou guerrilha – como a de 32 e a de 64 – mesmo que os  guerrilheiros e revoltosos tomassem as armas de militares em ações, estes teriam  dificuldade logística para conseguir munição… Tese que se mostra insustentável com a  passada de olho em qualquer notícia sobre apreensão de armas e munições nas favelas  cariocas ou de quadrilhas de São Paulo. Na prática, o 9mm, o 7,62mm, o 5,56 mm e até  o calibre .50BMG se tornaram de uso exclusivo das Forças Militares e dos bandidos. 

No fundo, o calibre 9mm é tão somente um bom calibre para uso militar, policial e civil,  coisa absolutamente corriqueira em diversos países do mundo como Estados Unidos,  Suíça, Argentina e Uruguai, entre tantos outros. Criado por Georg Luger lá pelos idos  de 1900 para uso militar na Alemanha, tinha limitações para uso policial e para defesa  uma vez que, na época, o limitante para a desenvoltura do calibre incluía apenas o peso  do projétil e a carga de pólvora, sendo que a configuração deste era sempre do tipo  “totalmente jaquetada” o que, de fato, em certas circunstâncias, pode causar um  “excesso” de penetração e baixa efetividade contra alvos humanos quando se fala em 

tirar o mais rápido o seu oponente de ação. Mas isso não é mais realidade! Quem  continua afirmando sobre a “super-mega-blaster-penetação” de um disparo de 9mm está  repetindo lendas criadas há mais de cem anos atrás! 

Teste balístico mostrando que a penetração entre 

os calibres citados é praticamente a mesma 

A escolha do calibre .40S&W – que as reportagens fazem parecer um .22LR em  comparação ao 9mm – é bastante discutível. Explico: a escolha ocorreu no final da  década de 90 quando se chegou à conclusão – correta – de que os velhos e confiáveis  revólveres .38SPL, empregados por praticamente todas as forças policiais do Brasil, já  não eram páreo para o armamento mais sofisticado e moderno que começava a chegar  nas mãos da criminalidade. Ao contrário do que se pode imaginar, a escolha ocorreu  muito mais por “moda” do que por questões técnicas, e que pese que o 9mm era carta  fora do baralho por conta da negativa do Exército em liberar esse calibre para uso  policial.

O desenvolvimento do calibre .40S&W ocorreu após o trágico incidente em Miami, em  1986, envolvendo assaltantes de banco e agentes federais americanos, o qual resultou na  morte de dois agentes e ferimento em outros cinco. Os dois criminosos, mesmo  baleados diversas vezes, seguiram atirando. A necropsia em Michael Platt, um dos  criminosos mortos, constatou que o primeiro tiro que ele levou parou a apenas alguns  centímetros de seu coração. Esse disparo, se efetivo, teria salvado a vida dos dois  agentes mortos. Qual calibre o FBI utilizava? 9mm!!! Entenderam? O tal calibre que, de  acordo com a imprensa nacional, o ouvidor da polícia militar de São Paulo e o Coronel  José Vicente, pode atravessar e matar várias pessoas com um único disparo não foi  capaz de atingir o coração do criminoso! Explicarei mais à frente o motivo disso ter  ocorrido. 

Após a terrível ocorrência, o FBI imediatamente iniciou a busca de um calibre novo,  que tivesse a massa do projétil próxima do vetusto .45ACP e com a velocidade do 9mm.  O primeiro calibre a surgiu foi o 10mm, que rapidamente se mostrou excessivamente  forte para o uso policial – o pronunciado recuo praticamente inviabilizava tiros rápidos  e precisos. Surge, então, o .40S&W, uma versão “fit” do 10mm, que foi adotado  imediatamente pelo FBI. Bum! Praticamente todas as agências policiais americanas  migraram para o novo calibre e essa migração, óbvio, foi seguida por órgãos de  segurança do mundo todo, incluindo o Brasil. Honestamente eu nunca tive simpatia pelo  calibre que se propunha a ter o que havia de melhor no .45ACP e 9mm, mas, para mim,  acabou como o pato que nada, voa e anda, mas não faz nenhuma das coisas direito.  Opinião pessoal, devido ao recuo maior que o .40, sem a massa do .45 e ainda por cima  trabalhando no limite de pressão 100% do tempo. 

Prova que o calibre .40S&W é tão somente mais um bom calibre é que o próprio FBI  retornou ao uso do 9mm em 2015! A agência constatou que no episódio do tiroteio de  Miami o erro não era do calibre, mas, sim, da configuração do projétil que expandia  violentamente e não penetrava o suficiente. A escolha dessa configuração à época se  deu por um dos mitos que sobrevive até hoje e que foi citado pelo Coronel José Vicente,  provando sua total desatualização sobre o assunto: o inexistente fator de “Stopping  Power”! Toscamente explicando, seria a capacidade de parar o oponente com apenas  um disparo. O problema é que tal tese levava em conta uma inexistente transferência de  energia para o alvo e, para que essa transferência ocorresse com mais eficácia, o projétil  deveria ser veloz e expandir violentamente contra o alvo. Com essa configuração,  “tchau penetração”, exatamente o problema letal enfrentado pelos agentes em Miami. 

Bom, o texto já está bastante longo e acredito que entrar em mais detalhes poderia ser  cansativo. Como explicação aprofundada dos aspectos técnicos que levaram o FBI a  readotar o 9mm, convido você, leitor, a visitar o artigo “9mm, .40 ou .45? FBI decide  pelo uso do calibre 9mm, veja o porquê”, autoria do agente da polícia federal, Hugo  Cordeiro. A leitura é benéfica para entender a quantidade de asneiras que estão sendo  ditas e repetidas sobre essa questão! Vale a pena também acompanhar no Instagram o  instrutor e policial federal, Paulo Bedran (@paulobedraninstrutor), e o blog  “Sobrevivência Policial” do amigo Humberto Wendling! 

Agora encerrando, juro(!), vejo a liberação do calibre com ótimos olhos! Primeiramente  mostra que o Exército começa a rever a ideia ultrapassada e fruto de um ditador. A  liberação abre, quiçá, a possibilidade de que as Instituições policiais possam adotar  institucionalmente o calibre que traz claras vantagens sobre o .40S&W, entre elas: 

menor peso das armas, mais munição por carregador, treinamento mais fácil por conta  do menor recuo e, o principal, a possibilidade de sequências mais rápidas e mais  precisas, o que pode significar a diferença entre a vida e a morte do policial! 

Enquanto a imprensa segue desinformando, o ouvidor da Polícia Militar de São Paulo  segue preocupado com a letalidade policial e o Coronel José Vicente segue passando  dados errados sobre armas e munições, os polícias seguem morrendo e as viúvas e  órfãos seguem chorando. Os criminosos? Esses seguem comemorando o apoio ao  desarmamento e às leis restritivas. 

Fonte: Cada Minuto